terça-feira, agosto 01, 2006

1148 – És tal como a noite

És quase translúcida quando cai a noite,
E tal como a noite também tu tardas,
Negas o pedido que na tua se acoite,
A minha língua despida das suas fardas.

Mesmo que por dentro como um facho ardas
Ao toque dos nossos corpos, corrói-te
No sexo que ciosa entre pernas guardas,
A minha língua que nele se faz de açoite.

Demoras-te impenetrável e proibida,
Imóvel, diria, se não fossem teus seios
Bambolearem-se ambos para a vida.

E desabrochada, flor de fogo do estio,
Deixas-te levar por meus enleios,
E deixas arder o corpo que finges frio.


1146 – Há um seixo negro em teu corpo branco

Há um seixo negro em teu corpo branco,
Nesse lugar de carícias e de encantos,
No qual dos meus desejos sucumbem tantos,
Quando te estendes e me dás o flanco.

O teu corpo dado em minhas mãos tranco,
E procuro despir-te dos teus mantos,
Mas nua estás sempre nos meus cantos,
Com uma flor de escárnio que arranco.

De serpente é a língua dos nossos beijos,
E a nossa pele carrega o meu e o teu cheiro,
O suor sofrido de corpos e desejos.

Nos teus olhos incendiários, irreais,
Vejo-me como me vês, homem inteiro,
Atravessando indemne, fogos infernais.


1145 – No parque dos poetas (Na cidade de Oeiras existe um parque cheio de estátuas dedicadas aos grandes poetas do século XX)

Nesse belo parque por ruas inteiras
Passeiam grandes vozes dissonantes,
Almas impróprias, gestos constantes
Iniciando-se, sempre pioneiras.

Mistura-se a alfazema com as oliveiras,
É o cheiro dos poemas triunfantes,
Lidos do chão, cravados por instantes,
Nos olhos percorrendo as esteiras.

Passeiam-se poetas onde a pedra
É a carne e a palavra é o sangue
Que os anima, os tinge e os medra.

Sobre o mundo estão de vigia,
Erectos, imóveis, noite e dia,
Dormindo o eterno sonho exangue.