segunda-feira, outubro 22, 2007

1179 - Sobre a cama

Cais sobre a cama, (o suspiro suspenso
Em minha boca da tua tão sedenta).
O teu corpo nas mãos sinto-o tenso,
Num prenuncio que em nós se acalenta.

Para ti, nesse instante, sou-te imenso,
Nesta insone fome de corpos que tenta
O teu corpo que despi e violento venço,
Com a força que o prazer reinventa.

As tuas costelas arqueiam sem sentido,
Para libertar no suspiro a voz cansada
Do teu corpo que jaz róseo e despido.

E já não me pertences, findas no espasmo,
Não te possuo mais, minha amada,
Depois de te ter dado vida no orgasmo.

domingo, janeiro 14, 2007

1174 – Desvendar

Nos lençóis do céu feérico desvendamos,
Febris mistérios de gozos e vendavais
Em desorbitados corpos sensuais,
Quanto mais no outro nos procuramos.

Com as mãos te pertenço, nos tocamos,
Com a língua nos benzemos, infernais,
E pedimos o que não podemos dar mais,
E rendidos de joelhos nós rezamos.

A hora com os corpos se esgota,
É tarde neste final rubro e triste,
Evaporas-te lentamente gota a gota.

E nua sob a luz quente do quarto,
Adormeces do teu segundo parto,
E eu olho-te como nunca te viste.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

1173 – Secreta namorada

Secreta namorada, força e fogo efervescente,
Noites de cio, sémen, gozo e virtude,
A carne urge da vida tão urgente
Por sonho algum do meu corpo rude.

E nada há que nos impeça ou acrescente
A ânsia com que um corpo o outro ilude,
A eternidade encontra-se de repente,
Em nossas mãos que se perdem amiúde.

No reencontro, (é triste a solidão),
É na simples curvatura das tuas ancas,
Que aprendo a nunca te dizer não.

Então admiro o teu esplendor incontido,
A ti, secreta namorada de noites brancas,
Eu volto sempre mesmo sem ter partido.

segunda-feira, outubro 23, 2006

1169 – Soneto da eternidade

Corpo nu de névoa crua e lua nova,
Com a forma estreita de uma cama,
Estrela inverosímil que se renova
Em dias inocentes de qualquer trama.

És tu, meu amor a toda a prova,
Minha mulher que amo e me chama,
E se me comporto mal me sova
Fazendo-me crer que não me ama.

Entre lençóis és pálida, imperfeita
Nas rugas que se anunciam no rosto,
E como deixas teu corpo exposto

À intempérie do meu, pesado e lesto,
Mas amo-te mais quanto mais me aceita,
E envelhecendo mais te amo a tudo o resto.
1168 – Mostra-me como te amo

Mostra-me como te amo e te desejo,
Devagar, não há pressa neste amor vivo,
É a tua boca que me sacia com um beijo,
É do teu corpo que declaro ser cativo.

És novidade mesmo quando te vejo
Durante todo o dia, e contigo privo
Cada vontade, cada medo, cada ensejo
Contrário ao futuro que me esquivo.

Evidente és tu, que me declara amado,
No teu jeito simples, juvenil e puro,
Como um diáfano coração no ar desenhado.

Perdoa se me esqueço de ti despida,
Quero-te agora com um querer maduro,
Encoberto pelas distracções da vida.

segunda-feira, setembro 25, 2006

1164 – Marco-te com a fome em meu rosto

Marco-te com a fome em meu rosto,
O corpo é macio, a carne quente e doce.
Arde-te a mordedura como se fosse,
A minha boca culpada de fogo posto.

Desaguas nos lençóis, é tarde em Agosto,
E nem assim este fogo apagou-se,
Nós, assim, na noite não temos posse,
Somos trágicos, ambíguos sem desgosto.

Não me digas que não, não te perdoo,
Perde-te nessa vontade redentora
Que corpos suporta em pleno voo.

Vem, que teu corpo o meu desespera
E deixa clarear o mundo lá fora,
Que a noite será sempre mais sincera.

quarta-feira, agosto 30, 2006

1158 – Para o Paulinho depois do seu enterro

Colheu-te sem emoção ou demora
A terra ao calor do estio de Agosto,
Naquela trágica e miserável hora,
Em que vi a cara acre do desgosto.

Lembro aqueles dias que são agora
Conflitos de emoções, e o teu rosto
Trancado para sempre ainda vigora
No meu peito como o deixaram posto.

Lembro o silêncio por gritos rasgado,
Eram de quem no filho tão amado
Chorava também outro que partiu.

Tudo isso se cola à minha alma,
Quando relembro o teu corpo frio
Imerso naquela pétrea calma.

sexta-feira, agosto 25, 2006

1157 – Para o Paulinho no dia do seu falecimento

Deitado dormes o sono eterno
Arrefecendo o teu corpo na morgue fria,
Jazes sem pressa nem novo dia,
Nesse anúncio do teu tumular Inverno.

E quando a terra te levar, um materno
Beijo desprender-se-á sem alegria,
Lembrando uma saudade que fantasia
No teu coração quieto no externo.

Na perfeição do teu ataúde entalhado,
Recolherás cedo à etérea casa forte,
E aí ficarás nesse mundo alado.

E todos choraremos por teres corrido
Com o teu jeito alegre e descontraído,
Depressa demais para a tua morte.

segunda-feira, agosto 21, 2006

1155 – Última morada

Este que sou e te dou sem mais nem menos
Ao teu uso, ao gasto em tuas mãos tão nossas,
Em carícias vãs e vãos acenos
Nas noites frias, escuras e grossas,

Sabe que és, fruto destes ímpetos serenos,
A última morada que procuro, e possas
Assim, nos teus braços pequenos,
Embalar-me num sono fundo e sem mossas.

Que o teu corpo achado na noite oculta,
Se transforme no meu berço perdido,
E o túmulo da minha carne insepulta.

Deixa-me e usa-me tal como a ti me dou,
Ao abandono deste viver sem sentido,
Por só estar comigo quando contigo estou.
1150 – Vento por detrás da porta

Ouço-te e és o vento por detrás da porta,
Misteriosa e sensual no teu alcance,
Adivinho-te dançando até que se canse
O teu corpo nacarado. E não me importa

Esperar-te um pouco nesta hora morta,
Para que meu corpo urgente se amanse
No teu após a dança, e ébrio descanse,
Do que me dás e me tiras da aorta.

Contorcidos, um pelo outro subindo,
Já nos sinto, avançando, aliados,
Frondosas heras no sangue se diluindo.

Assim te espero silhueta, sombra esguia,
Os nossos corpos unidos, reconciliados,
A noite inteira até ao nascer o dia.

terça-feira, agosto 01, 2006

1148 – És tal como a noite

És quase translúcida quando cai a noite,
E tal como a noite também tu tardas,
Negas o pedido que na tua se acoite,
A minha língua despida das suas fardas.

Mesmo que por dentro como um facho ardas
Ao toque dos nossos corpos, corrói-te
No sexo que ciosa entre pernas guardas,
A minha língua que nele se faz de açoite.

Demoras-te impenetrável e proibida,
Imóvel, diria, se não fossem teus seios
Bambolearem-se ambos para a vida.

E desabrochada, flor de fogo do estio,
Deixas-te levar por meus enleios,
E deixas arder o corpo que finges frio.


1146 – Há um seixo negro em teu corpo branco

Há um seixo negro em teu corpo branco,
Nesse lugar de carícias e de encantos,
No qual dos meus desejos sucumbem tantos,
Quando te estendes e me dás o flanco.

O teu corpo dado em minhas mãos tranco,
E procuro despir-te dos teus mantos,
Mas nua estás sempre nos meus cantos,
Com uma flor de escárnio que arranco.

De serpente é a língua dos nossos beijos,
E a nossa pele carrega o meu e o teu cheiro,
O suor sofrido de corpos e desejos.

Nos teus olhos incendiários, irreais,
Vejo-me como me vês, homem inteiro,
Atravessando indemne, fogos infernais.


1145 – No parque dos poetas (Na cidade de Oeiras existe um parque cheio de estátuas dedicadas aos grandes poetas do século XX)

Nesse belo parque por ruas inteiras
Passeiam grandes vozes dissonantes,
Almas impróprias, gestos constantes
Iniciando-se, sempre pioneiras.

Mistura-se a alfazema com as oliveiras,
É o cheiro dos poemas triunfantes,
Lidos do chão, cravados por instantes,
Nos olhos percorrendo as esteiras.

Passeiam-se poetas onde a pedra
É a carne e a palavra é o sangue
Que os anima, os tinge e os medra.

Sobre o mundo estão de vigia,
Erectos, imóveis, noite e dia,
Dormindo o eterno sonho exangue.

quarta-feira, junho 28, 2006

1138 - Novo Soneto para a Cecília

Há em teus beijos uma excitação de rosas
Que procuro quando te busco na cama,
E estás presente e toda para mim posas,
Com as poses indecentes de quem ama.

E as tuas coxas enlaçam-se sedosas
À minha cintura, e o meu corpo faz-se chama
Com o teu em labaredas frondosas,
Numa lenta combustão que nos reclama.

Ardemos por dentro e por fora, arde
O nosso amor até não existirmos mais,
E o calor do abraço calar-se por ser tarde,

E a carne calcinada extinguir-se demorada,
E o fogo entorpecer os nossos sinais,
E volto a ser o mesmo e tu a minha amada.

terça-feira, junho 13, 2006

1129 - Vénus de Botticelli

Nascida das águas esta Vénus de Botticelli,
Da escumilha do mar, a saliva dos oceanos,
Coberta por tão pequeníssimos panos,
Que nua, por puro encantamento, a vi.

Eram imensos os seios que mordi
A esmo, acreditando em meus enganos,
E maior foi-me o prazer que os danos,
Quando em púbis e virilhas me decidi

Mergulhar naquele corpo ultramarino.
Era de algas fulvas a recôndita
Penugem do seu sexo sem destino,

E a sua pele de peixe tinha escamas
Da áspera salsugem inscrita
Num corpo que nas ondas procura camas.

segunda-feira, maio 01, 2006

1112 - Hemisfério sul

Nutres-me a pele de carícias francas
Aprendidas noutros num mútuo deleite,
Aos quais deste essas carnes brancas,
Tão sedosas carnes, feitas de leite...

Agora dás-me as curvas das ancas
Para o toque que teu corpo quis aceite,
E a flor aberta do teu sexo arrancas,
Para servir, no meu corpo, de enfeite.

Mesmo repetindo gestos masculinos,
Tens um frágil deambular de gata,
De usos fugazes, de ágeis inquilinos.

Eu volto sempre a esse hemisfério
Sul onde o norte sucumbe e desidrata,
Livre num incorpóreo desejo aéreo.

segunda-feira, abril 24, 2006

1104 - A história de um amor louco I

Estava caída de bruços, e as brancas luas
Das suas nádegas chamavam-me, o brilho
Intenso cegava mostrando o seu trilho,
Até essas raras e mágicas luas contíguas.

O delírio instalou-se, em belas carnes nuas
As minhas sólidas mãos foram espartilho,
E o meu sexo no seu foi insone rastilho,
Durante essas noites de suor, duras e cruas.

Nadava no meu peito, cúpida e febril,
Rasgando-me os róseos mamilos rasos,
Como estava louca aquela mulher vil...

Não sei quando acordei daqueles acasos,
Mas estava nu, magro, fraco, desolado,
E sem provas de ter alguém lá estado.


1105 - A história de um amor louco II

Convencida de que agrada a toda a gente,
Retorna-me ao corpo mole e merencório,
Com os mesmos gestos do seu reportório,
Agindo como quem age impunemente...

Nada havia naquela mulher de inocente,
Mas na segunda vaga parecia contraditório
O mesmo impudor ser-lhe insatisfatório,
E o seu abraço demorar-se de tão quente.

Só que levados na torrente dos impulsos,
O seu sexo parafinado abriu-se ao meu.
Senti o coração bater em meus pulsos...

E chorei nas nossas carnes exaltadas,
Os amores que nenhum conheceu,
Gastos em tristes e sombrias madrugadas.

domingo, abril 16, 2006

1102 - Deusa

De uma deusa tens as coxas impolutas,
Assim te digo porque não me pude conter,
Quando deitada te ofereces sem temer,
Impassível e inquebrável ao que escutas.

A tua pele tem o doce eflúvio a frutas,
E ela me enlaça, a ela me deixo prender,
De uma deusa só tu podes descender,
Tamanha é a fome com que me disputas.

Máscaras tombam nesse fútil combate,
E somos nós dois, de sempre amantes,
Repetidos neste copioso amor escarlate.

Beijo-te os lábios entrando-te no sexo,
Somos os mesmos que éramos antes,
Rendemo-nos no calor deste amplexo.


1100 - Encontro

Beijas, mas com o alarde das coisas vivas,
E a tua língua, vermelha e húmida pétala,
De madrugadas e encontros feitos de salivas,
Desenrola-se em minha boca suja e rala…

Tomo-te a largura, o comprimento, cativas
O meu corpo que no teu, fechado, se embala
Com atitudes deliciosas, meigas, furtivas,
E a sua urgência se demove, quase cala.

Mas encontrados nossos sexos ferozes,
Enroscam-se no outro, ofegante abraço,
A carne rasga-se, mutilam-se as poses.

Apaga-se depois o impetuoso apelo,
Sobrando além do tímido embaraço,
Duas marmóreas estátuas, perfeição de gelo!


1093 - Na cama

De Fêmea ou apenas de mulher madura,
Meus rudes gestos de macho aceitas,
E as flexíveis pernas não ficam direitas,
Alinhando e precavendo a noite futura.

Com saliva cubro cada seio púrpura,
Inflados de outras horas perfeitas,
E no teu ventre a minha boca deitas,
Para dessedentar a boca desta secura.

Na salitre escumilha do sexo alagado,
Flancos… coxas alvas a descoberto,
Vergo sobre o peso do corpo derrotado.

E fazes-me general, rei ou gladiador,
Nas vivas quinas…oh prazer desperto!
Corpo de prazer, corpo sem pudor…

segunda-feira, abril 03, 2006

1091 - Soneto do desencontro

Nossos corpos ao desencontro deixados,
Remexidos de beijos e carícias,
Encontram-se nus, a prumo, desarrumados,
Daquele à sua frente ansiando notícias.

Vêem-se vivos os sexos por antecipados
Serem todos os gestos com malícias,
E da fome de carne, corpos desesperados,
Maltratam-se com inigualáveis sevícias.

Na confusão de bocas e de pernas,
De torsos longos, curvos e flavos,
Não há espaço para palavras ternas.

Comem-se, dessedentam-se, igualam-se,
Macerando mãos e línguas, sexos bravos,
E finalmente satisfeitos, calam-se.
1089 - Fuso

Todo o estro ao teu corpo confinado,
Sonhando dia e noite com o negro seixo
Do teu sexo, com o teu seio desnudado,
Para se servir do meu ígneo desleixo.

Rendido ao ávido desejo, apressado,
Beijo o teu pescoço e o teu queixo,
Sem poemas ou regras, arremessado,
Contra esse mágico fuso, o meu eixo.

Dilacero o teu sublime com obscenas
Palavras, se a cúpida vontade aperta,
E se não exprime no amor apenas.

Desculpa-me desse imenso que sou,
Mulher que amo, que me desperta,
Nesse corpo onde, perdido, estou.

quarta-feira, janeiro 18, 2006

1039 – Soneto incandescente

De costas sobre mim, duplamente deliciosa,
A amplitude do seu belo corpo torneado,
Cada seio numa frenética cúpula gizado
Para seu lado bamboleando, égua frondosa.

Estugando cada passo, mais ela desejosa,
E no seu sexo o desejo já coalhado,
Onde se apaga o amor e o instinto renegado,
Renasce com uma animal força tenebrosa.

Meus ígneos beijos fugindo pra sua boca,
Têm o mágico condão de a irem deixando
Em cada lépido momento mais louca!

Tenho até medo, seus olhos raiados a prata,
Dizem claramente que está gostando,
E que se sem ela me venho, ela me mata!

sábado, dezembro 24, 2005

1033 - Soneto do trono

Elásticas coxas num dia de Outono,
Enrolando-se em mim, hera imaterial
Da inefável e trágica cor do sono,
Essa pluma fresca, alada, matinal.

O meu corpo inteiro por teu trono,
Reina, meu amor, neste reino carnal,
Sou teu, espoja-te toda, sê meu dono,
Que vida tenho se teu não for afinal?

Égua de sonhos quentes, inauditos,
Desfalece sobre mim resfolegando
Os versos que por ti estão escritos.

Dorme depois, saciada de algum jeito,
Que mesmo dormindo estás reinando
Este súbdito deitado no mesmo leito.

domingo, novembro 27, 2005

1025 – Soneto da espera

Dormes mulher, simples e perfeita,
Num sonho apenas teu, toda em parte,
Dentro do sonho tornas-te desfeita,
Do duradouro zelo que a ti faz Marte.

Enquanto dormes, meu corpo suspeita,
Da intangível e moral matéria de olhar-te,
Deste perene elo de me seres eleita,
Sem que possa, carnalmente, tocar-te.

Fico quieto, no incandescente sossego
Dos meus desejos, conjecturando
Se por ti, todo o homem que sou, nego.

E tu, dormes ainda, será eternamente?
Alegro-me na manhã que está raiando,
E por costume acordares brevemente.

segunda-feira, novembro 14, 2005

1014 – Soneto desse teu mundo

Evola-se teu corpo nas brancas montanhas,
Lençóis de feltro de manhãs radiosas,
E caminhando nessas cordilheiras rochosas,
O meu olhar súplice perde-se nas penhas.

É majestoso esse mundo de coisas estranhas,
Cheio de magias e multidões esplendorosas,
Onde de dia chovem do céu pequenas rosas,
E de noite me faz engolir as entranhas…

E o teu corpo é dessas coisas transitórias,
Essa cúpula de sonhos experimentados
Em breves silêncios de aves migratórias.

Morro de afectos quando me desapareces
Rangendo a seda ou o xisto embrulhados,
E na mortalha de mim mesmo me aqueces.

terça-feira, agosto 09, 2005

985 - Soneto do silêncio I

Sentia-te crescer na manhã luminosa,
Os raios batiam na janela, mas ficavam
Lá fora esperando por entrar. Ondulavam
Sem parar e nós numa áurea nebulosa,

Degustávamos numa ânsia silenciosa
Os corpos devolutos que bruxuleavam
Nas sombras do quarto. Travavam
Guerras líquidas entre a língua argilosa

E uma outra língua por si indefinível.
Era a tua aquela que incapaz sempre fui
De descrever num êxtase irrepetível.

Nunca foi de silêncio o teu manto,
A tua boca tem uma força que o influi,
Nenhuma o quebra com tanto encanto.

terça-feira, março 01, 2005

915 - Soneto da hera

Nesse corpo, hera de folhas desgrenhadas,
Subindo de vagar, pé ante pé, silencioso,
Sobre mim, expectante, contráctil, nervoso,
Ponho o olhar e as mãos conspurcadas.

Deposta a roupa, nua, coxas despertadas,
Tomo de um gole, torpe de desejo ocioso,
Ambos os seios de laje em copo sedoso,
Pelas minhas línguas duplas e insaciadas.

Avanço depois, entre a floresta virgem
Do teu sexo, rasa, opaca, ofegante,
Até que, exauridas, tuas pernas se tingem

De mim, do meu sémen e do meu suor.
E ínvios que somos, náuticos amantes,
Desconhecemos onde ir para deixar a dor.



921 - A ginasta

Flexíveis membros de vime, rosados, puros,
Agarro, dobro e vinco, e nem mesmo forçada,
A ginástica do seu corpo a deixa amarrotada,
Seus músculos exercitados são muito duros.

Os pequenos seios de pedra que, bem seguros
A completam, são de uma habilidade alada,
Entre saltos e movimentos de cor prateada,
Perante uma pequena plateia de olhos escuros.

Como é belo esse magro corpo de estatueta,
Enquanto dá, concentrada, mais uma pirueta,
Implodindo em minha quieta boca espantos.

É impossível o pouco que em meus braços
Ocupa, como se conhecesse todos os cantos
Deste corpo e se movesse entre os espaços.

domingo, fevereiro 20, 2005

911 - Soneto da cama grande

Amor, na cama grande onde nos deitamos,
Nas noites em que às voltas com o destino
Dos nossos corpos, ágeis, concretizamos
Íntimas regras do prazer de mútuo ensino.

É ela tão grande, que, quando terminamos,
Destapados, suados de tanto fazer o pino,
Em malabarismos fáceis onde rasgamos
Ébrios, o grácil encanto do sexo felino,

Se quisermos, por vermos o íntimo de nós
Violentado por secreções, pelo nu ferido,
Podemos dormir como se estivéssemos sós.

Separados sem a intimidade que adivinha
Um corpo amolecido e o outro combalido,
Dormindo pegados como uma conchinha.

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

902 - Soneto do corpo despido

Desprevenida, olho-te nua e não resisto,
Algo nesse corpo existe que me impele
Contra as imperfeitas curvas da tua pele,
E que em mais nenhum outro tinha visto.

Envergonhada olhas-me de prazer misto,
Parado fico, cingido ao pequeno papel
De visitante, onde vestida estás anfitriã fiel,
Só de braços e pernas neste imprevisto.

Tão nua como nunca te ver deixaste,
Tão banal, tão apenas tu. Em haste
A cerimónia do corpo fizeste esquecer.

Só neste curto instante pudeste ser
Diferente da mulher que usaste,
Para o teu verdadeiro corpo esconder.

quarta-feira, setembro 01, 2004

821 - Cecília

Teu nome assemelha-se a uma ilha,
Assemelha-se é certo, mas em vez
De um “e” falta-lhe um “i” no mês
De sol que a tua boca trilha,

Para dizeres e eu contigo, a milha
Irrepetível do teu nome, a pequenez
Das sílabas brancas na tez
Pueril dos teus gestos armadilha.

Uma ilha é justamente o que és,
Feita de esmalte, de nácar,
E de metal a sombra de teus pés,

De fogo as tuas mãos de silêncio,
De carne e desejo os lábios de mar.
És uma ilha que eu fio e desconfio.